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Beth Carvalho no desfile do Bloco do Bola Preta, no Rio, em 2003 Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
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A cantora
Beth Carvalho
, um dos mais importantes nomes do samba, morreu nesta terça-feira, no
Rio. Ela estava internada por causa de problemas na coluna que a
atormentavam há anos. A mangueirense Beth tinha 72 anos e a princípio
cantaria no Vivo Rio no próximo fim de semana, mas os problemas de saúde
a obrigaram a cancelar. Segundo o Hospital Pró-Cardíaco, ela morreu "em
decorrência de infecção generalizada (sepse)".
O velório de Beth está marcado para as 10h desta quarta-feira, no Salão
Nobre do Botafogo, time de coração da cantora. Depois, às 16h, o corpo
segue em cortejo com carro do Corpo dos Bombeiros, até o Crematório do
Caju.
Seu empresário, Afonso Carvalho, divulgou um comunicado na internet:
"Queridos amigos e fãs, Nossa querida Beth Carvalho partiu hoje as 17:33, cercada do amor de
seus familiares e amigos. Agradecemos todas as manifestações de carinho e
solidariedade nesse momento.
Beth deixa um legado inestimável para a
música popular brasileira e sempre será lembrada por sua luta pela
cultura e pelo povo brasileiro. Seu talento nos presenteou com a
revelação de inúmeros compositores e artistas que estão aí na estrada do
sucesso. Começando com o sucesso arrebatador de “Andança”, até chegar a
Marte com “Coisinha do Pai”, Beth traçou uma trajetória vitoriosa
laureada por vários prêmios, inclusive um Grammy pelo conjunto da obra.
Assim que possível, informaremos sobre o sepultamento".
A madrinha do samba
Aonde ela foi, sambista nenhum jamais chegou: Marte. Em 1997, a
interpretação de Beth Carvalho para “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão,
foi escolhida pela Nasa para “acordar” o robô Sojourner, enviado em
missão ao planeta vermelho.
Beth despertou para o mundo no mesmo lugar que serviu de berço para o
samba. Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu, no dia 5 de maio de
1946, no bairro da Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro, área onde
o samba surgiu, no começo do século passado. Mas, Beth foi criada mesmo
na Zona Sul, onde desenvolveu três paixões: o Botafogo, a Mangueira e o
PDT de Leonel Brizola.
A música estava próxima desde o começo. A avó tocava bandolim e violão; a
irmã cantava. Beth ouvia desde cedo a Rádio Nacional, mas também tinha
música ao vivo em casa. O pai, advogado, era amigo de cantores, que
frequentavam a casa da família. Beth ouviu do sofá gente como Silvio
Caldas e Elizeth Cardoso.
No carnaval, subia num caixote com a mãe para ver a Mangueira passar,
numa época em que a Portela ganhava todos os carnavais. Decorava todos
os sambas-enredo do ano. Só ficou difícil quando, aos 17 anos, arrumou
um namorado que odiava a folia. Numa terça-feira gorda, ao se ver
sozinha em casa, Beth não pensou duas vezes: vestiu a fantasia de
havaiana, ligou a TV e sambou até de madrugada.
Apesar de ser intérprete de um ritmo vindo das classes populares, a
família de Beth tinha uma vida financeira boa. A menina, ainda criança,
estudou balé clássico e frequentou um curso de etiqueta para mulheres.
Tinha aulas de como segurar um guarda-chuva, usar garfo e faca e entrar
ou sair de um automóvel — com classe.
Só que o golpe militar, em 1964, trouxe problemas para a família da
cantora: seu pai, fã de Lênin, foi demitido do cargo que ocupava no
Ministério da Fazenda. Aí o dinheiro faltou na casa
dos Carvalho. Beth começou a dar aulas de violão para ajudar os pais.
Como cantora, não começou com o samba, mas com a bossa nova. Encantada
por João Gilberto, se apresentou com o ritmo em festivais universitários
e shows. Chegou a gravar um compacto, em 1965, em que interpretava “Por
que morrer de amor?”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Mas no ano
seguinte já se aproximava do ritmo que a consagrou, participando do
show “A hora e a vez do samba”, com Nelson Sargento e Noca da Portela.
Em 1968, conquistou o terceiro lugar no Festival Internacional da Canção
interpretando "Andança", de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo
Caymmi.
Fez gravações históricas de mestres do samba, como Nelson Cavaquinho,
Cartola, Nelson Sargento e Carlos Cachaça. O desejo de buscar o samba
onde ele estivesse a levou à quadra do Cacique de Ramos, em Olaria, no
momento em que despontava uma geração de novos talentos ali — e mais que
isso, de uma nova forma de tocar samba, usando instrumentos como banjo e
repique de mão. Acabou por revelar, a partir dos anos 1970, artistas
ligados ao Cacique, como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Almir Guineto e
Jorge Aragão. É de 1978 o antológico disco "De pé no chão", em que
gravou vários desses compositores.
Ao longo da carreira, continuou a chamar a atenção para novos talentos
que surgiam, como Mariene de Castro e Quinteto em Branco e Preto, sem
deixar nunca de gravar os bambas pioneiros. Tinha, por isso, o apelido
de madrinha, do qual gostava, mas com reservas. Sempre achou um absurdo,
no Brasil, artistas como Cartola precisarem de padrinhos para ser
reconhecidos.
Problema na coluna
Em 2007, a cantora brigou com sua escola de samba do coração. Por conta
dos problemas na coluna, pediu espaço em um carro alegórico, já que não
conseguiria desfilar a pé. Ao chegar a hora do desfile, foi impedida de
subir no carro, sob argumento de não ser “um baluarte”. Bethficou
magoada, disse só voltar a desfilar na verde-e-rosa se recebesse um
pedido de desculpas — que não veio. No ano seguinte, saiu na Viradouro,
que homenageou Cartola.
Já 2009 foi um ano melhor. Beth foi homenageada no Grammy Latino, em Las
Vegas, ocasião em que recebeu o “Lifetime achievement award”, prêmio do
Grammy por sua carreira completa. No mesmo ano, veio o pedido de
desculpas da Mangueira. O novo presidente à época, Ivo Meirelles,
assumiu a escola e convidou Beth para a homenagem que a Mangueira faria a
Nelson Cavaquinho no carnaval do ano seguinte. A cantora desfilou de
cadeira de rodas.
A cadeira de rodas mostrava uma piora no problema de
coluna. Beth Carvalho havia fissurado o sacro, osso na base da coluna.
Precisou colocar dois parafusos para ajudar na calcificação. Brincava
que, além de interplanetária, tinha virado “uma mulher biônica”. Só com
bom humor mesmo para dar conta dos 18 meses em que precisou ficar de
cama, por conta da lesão. Voltou aos palcos em 2011, mesmo ano em que
lançou “Nosso samba tá na rua”, seu álbum mais recente. Em 2012, ganhou o
Grammy Latino pelo CD.
Fonte:
O Globo