TIMBIRAS CONTA COM OS SERVIÇOS DA RAD IMAGEM E DA ALIANÇA FIBRA

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Falso Negativo: investigações apontam existência de 'lista VIP' que priorizou políticos em testes de Covid-19 no DF

 Por Gabriel Luiz, TV Globo 

 Secretário de Saúde do Distrito Federal, Francisco Araújo, em coletiva de imprensa — Foto: Renato Alves/Agência Brasília

As investigações da operação Falso Negativo apontam para a existência de uma "lista VIP" que priorizava determinadas pessoas, inclusive políticos, na realização de testes de Covid-19 no Distrito Federal. Mais de 170 pessoas teriam sido beneficiadas.

Conversas obtidas pelo Ministério Público do DF (MPDFT) mostram que o secretário de Saúde afastado, Francisco Araújo, exigiu agilidade ao diretor do Laboratório Central do DF, Jorge Antônio Chamon Júnior, nos resultados dos exames do ex-senador Luiz Estevão e do ex-governador José Roberto Arruda. 

Francisco e Jorge Antônio estão entre os seis presos pela operação na terça-feira (25) (veja lista abaixo). Todos integram a cúpula da Secretaria de Saúde do DF. Segundo o Ministério Público, eles são suspeitos de integrar uma suposta organização criminosa que direcionou e superfaturou a compra de testes rápidos para Covid-19 na capital.

As defesas dos suspeitos alegam inocência. O governador Ibaneis Rocha (MDB) afastou o grupo após a operação, mas disse que eles estão sendo "indevidamente acusados". Já a Secretaria de Saúde informou que sempre colaborou com as investigações (veja mais abaixo). 

'Lista VIP'

Os diálogos foram obtidos pelo Ministério Público após a apreensão de celulares dos envolvidos, na primeira fase da operação, em 2 de julho. Em uma das conversas, em 20 de março, o secretário Francisco Araújo pediu urgência no resultado do ex-senador Luiz Estevão. 

Já em junho, outra exigência de agilidade, desta vez para o ex-governador José Roberto Arruda. O diretor do Lacen tenta rebater, mas Francisco Araújo mantém o pedido. Veja diálogo abaixo:

Francisco Araújo: Do Arruda

Jorge Chamon: Do arruda só ficará pronto amanhã

Francisco Araújo: Cara, dar [sic] não. Tem que ser hoje. Eles tá só esperando para viajar para encontrar a mãe. Por isso a gente leva bronca pela demora.

Jorge Chamon: Não há como atender todas essas prioridades. Estamos recebendo mais de 1 mil amostras por dia

Francisco Araújo: Então prioriza o que peço. 

À TV Globo, a defesa de Francisco Araújo rebateu as acusações e disse que, embora os promotores falem em corrupção e lavagem de dinheiro, não há nenhuma referência a isso nos autos. Sobre a "lista VIP" para o teste do coronavírus, o advogado não se pronunciou.

Já o advogado do ex-governador José Roberto Arruda disse que ele desconhece qualquer pedido de prioridade nos resultados, que demoraram vários dias para serem entregues. O advogado do ex-senador Luiz Estevão disse que não vai comentar. 

Irregularidades em contratos

Segundo o MPDFT, a cúpula da Secretaria de Saúde direcionou e superfaturou dois processos de compra de testes rápidos para a Covid-19 na capital, por dispensa de licitação. A estimativa é que o prejuízo aos cofres públicos chegue a R$ 18 milhões.

As investigações apontam que as empresas eram pré-selecionadas para o fornecimento do material e definiam diversos critérios no edital de compra. Um dos contratos questionados foi fechado com uma empresa atacadista e importadora de brinquedos, Luna Park, que fica em Santos, no estado de São Paulo (leia nota da empresa no fim da reportagem).

Segundo o MP, a fornecedora "foi contratada embora tenha oferecido o maior valor por unidade de teste na dispensa de licitação, a sua documentação tenha sido oferecida fora do prazo e o parecer inicial relativo à sua proposta tenha sido pela rejeição". 

A atacadista de brinquedos foi escolhida para fornecer 90 mil testes, ao custo de R$ 16,2 milhões. O Ministério Público afirma que o processo de contratação durou apenas dois dias e que a empresa chegou a indicar itens que nem estavam previstos, como teste para detecção da Hepatite C.

O outro contrato analisado trata de aquisição de 100 mil testes rápidos para utilização nos postos drive-thru, firmado com a empresa Biomega por R$ 19 milhões. De acordo com as investigações, o secretário de Saúde "mantinha tratativas extraoficiais com o setor privado para o fornecimento dos serviços".

A empresa Biomega teria, inclusive, decidido previamente que seriam contratados 15 pontos de drive-thru para o DF e conseguido ampliação de 90 mil testes previstos inicialmente para 100 mil, segundo os promotores (leia nota da empresa no fim da reportagem).

Os crimes em investigação são de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, organização criminosa, além da prática de corrupção ativa e passiva. O caso ainda pode ser caracterizado como cartel.

Quem é quem no grupo?

Os investigadores chegaram até as suspeitas de "conluio" entre a pasta e as vencedoras das dispensas de licitação após analisar conversas entre o secretário de Saúde e equipe, em aplicativos de mensagens, após apreensão de celulares na primeira fase da operação. 

Para o Ministério Público, a investigação trata da "maior organização criminosa entranhada no atual governo do Distrito Federal", que "se alimenta da morte de inúmeras vítimas" da Covid-19. O órgão afirma que cada integrante possui um papel no grupo:

  • Francisco Araújo - secretário de Saúde do DF

Apontado como quem "controla e comanda" a organização criminosa. Seria "quem decide qual empresa será contratada; os prazos exíguos para apresentação de propostas; e até mesmo o quantitativo de testes a serem adquiridos".

  • Ricardo Tavares Mendes - ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde do DF

Apontado pelo Ministério Público como "membro fundamental e segundo na hierarquia da célula criminosa dos servidores públicos". Seria o responsável por dar "ares de legalidade" ao processo.

 Eduardo Seara Machado Pojo do Rego - secretário adjunto de Gestão em Saúde do DF

No papel de analisar as contratações, como autoridade máxima da Vigilância em Saúde, é suspeito de dar "falsa validade aos projetos básicos" com objetivo de "afastar eventuais alegações de invalidade ou conluio na edição e lançamento de tais documentos".

A defesa de Eduardo Hage diz que o cliente "se declara inocente em relação às acusações imputadas a ele e acredita que toda a situação desta investigação vai ser esclarecida com brevidade". 

Jorge Antônio Chamon Júnior - diretor do Laboratório Central do DF

Segundo promotores, Jorge tinha como principal função "orientar tecnicamente o grupo" sobre "como devem ser lançados alguns itens no edital para 'evitar problemas'". Além disso, teria a "tarefa de chancelar os projetos básicos e justificar, falsamente, os quantitativos que estão sendo comprados", já que os montantes estariam sendo definidos pelas empresas.

  • Ramon Santana Lopes Azevedo - assessor especial da Secretaria de Saúde do DF

Seria quem "articula com as empresas privadas buscando boas contratações que favoreçam o grupo e com os demais integrantes do grupo em nome do Secretário". 

Iohan Andrade Struck - subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF 

Apontado como quem "controla o que vai para a publicação e os ofícios com as informações que as empresas devem apresentar, além de montar os processos com os documentos necessários para que o procedimento tenha aparência de licitude.

Ele é o único que não foi preso na operação de terça. A Justiça expediu um mandado de prisão contra o gestor, mas ele não foi encontrado pelos investigadores. Segundo a defesa, Iohan está em isolamento com sintomas de Covid-19.

O que diz a defesa de Francisco Araújo?

"A defesa do Secretário de Saúde do Distrito Federal, manifesta inicialmente o respeito ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Para além disso, é preciso destacar que esse não é primeiro e nem será o último caso em que um agente público sofre com a prisão preventiva e depois é inocentado no processo. Diz-se isso por que o Secretário está seguro de que não praticou crime algum e que confia na sua equipe da Secretaria de Saúde. A defesa examinou a decisão que decretou a prisão e está convencida de que o Ministério Público trabalha no plano do equívoco, o que será esclarecido ao longo da apuração dos fatos."

O que diz o governador?

Após a decisão, o governador Ibaneis Rocha chamou a ação de "desnecessária" e disse que a pasta manteve todos os processos transparentes. Veja abaixo:

"O Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, no momento em que declara sua irrestrita confiança no Poder Judiciário local, vem a público lamentar a desnecessária operação ocorrida nesta manhã e que culminou na prisão preventiva da cúpula da Secretaria de Saúde.

O Secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, e toda sua equipe sempre estiveram à disposição das autoridades para esclarecer quaisquer fatos, mantendo abertos todos os processos em curso na SES, inclusive com acompanhamento on-line do Ministério Público, pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), comprovando a inexistência dos crimes a que estão sendo indevidamente acusados.

Neste momento não resta outra atitude de minha parte a não ser afastar preventivamente os acusados, com o único intuito de não paralisar os importantes serviços prestados à sociedade do Distrito Federal pela Secretaria de Saúde, em especial neste momento de pandemia.

Aguardo rápida apuração e o esclarecimento dos fatos para que pessoas inocentes não tenham seus nomes indelevelmente manchados"

O diz a Secretaria de Saúde?

Na manhã de quarta, a secretaria de Saúde informou que sempre colaborou com as investigações. Veja íntegra abaixo:

"A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES) informa que sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial.

A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso online dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade.

O que diz a empresa Biomega?

“A Biomega não vendeu ao GDF kits de testes rápidos para detecção da Covid-19. A empresa é um laboratório de análises clínicas que participou de um processo licitatório para prestação de serviços de exames laboratoriais de anticorpos para a Covid-19. O serviço incluiu montagem de tendas, disponibilização de mobiliário apropriado, alocação de recursos humanos nas áreas administrativa, técnica e de analistas especializados na leitura dos testes, que assinam os laudos. Também fez parte da prestação de serviço a locação de carros e a contratação de empresa especializada para a remoção do lixo hospitalar. O contrato firmado previa a realização de exames em 100 mil pessoas, tendo havido aditamento para a inclusão de outras 50 mil pessoas examinadas.”

O que diz a empresa Luna Park?

"A empresa Luna Park Importação, por seu advogado da Lacerda Neto Advogados Associados, em virtude dos fatos noticiados pela imprensa em geral e nas redes sociais, no que se refere ao objeto da ação do GAECO/MPDFT, “Falso Negativo”, esclarece que:

Participou do procedimento licitatório de aquisição de testes rápidos para à Covid-19, que teve a participação de outras 07 empresas fornecedoras, ofertando preços com os valores praticados pelo mercado, nessa ocasião, abril de 2020.

Jamais foi beneficiária, em procedimentos licitatórios, de vantagens e ou favores de órgãos públicos e, nunca causou qualquer prejuízo ao erário em suas atividades comerciais. Possui autorização para importação e venda de produtos destinados ao combate ao SARS-COVID-19 e comercializa, também, outros produtos de acordo com seu objeto comercial. Registre-se, apesar de já ter fornecido os testes em abril de 2020, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, até o momento, não efetivou o pagamento pela compra efetivada, apesar de já ter utilizado os testes adquiridos, fato esse que vem causando grande prejuízo às suas atividades.

onfia na ação do Ministério Público do Distrito Federal e da justiça brasiliense, inclusive esperando, apurado os fatos, faça-se o pagamento do que lhe é devido, posto que cumpriu todas as obrigações previstas no chamamento da licitação realizada."


Nenhum comentário:

Postar um comentário