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domingo, 1 de março de 2015

Por Orleans Silva - "A mudança de direção que dá o que falar"

Heráclito já dizia que não se entra no mesmo rio duas vezes. Tudo muda, numa dinâmica que é inclusive necessária, mas, às vezes, insuficiente. O certo é que sendo a mudança inerente à vida, não deveríamos, a rigor, sermos contra ela em si mesma, mas, ao invés, lutar para que mude para melhor. No caso específico de mudança de direção a história é outra, porque reveste de grande importância, dado que pode mudar o rumo da escola, dos alunos e de muitas famílias.

Essa mudança, no entanto, na prática e no nosso modelo político, depende de circunstâncias subjetivas de quem detém o poder de escolha, limitado pela conveniência, oportunidade e princípios constitucionais, ou seja, é um processo artificial, não por isso deve ser arbitrário nem autocrático.

O resultado é que, afora a discussão de mudança deste mesmo modelo, é praxe a substituição em cargos de direção quando ocorre mudança de governo. Mas nem por isso devem aqueles que são direta ou indiretamente afetados manterem-se inertes ou abdicar de exercer seu sagrado direito de manifestar sua indignação, discordância ou mesmo, em casos extremos, desobediência, nos moldes de Henry Thoreau. Aqui dois limites e uma circunstância se impõem: as relações de poder envolvidas na mudança e na escolha do substituto; a legitimidade da mudança e na escolha; a concepção democrática na escola.

Nos dois limites, no caso de escolas, os diretamente afetados, os que mais propriedade poderiam, em tese, para avaliar e proferir um julgamento prévio sobre o desempenho do diretor, são os alunos, os professores, os demais funcionários e os pais e responsáveis, preferencialmente reduzindo a influencia poder carismático de falava Max Weber nessa avaliação. Claro que isso não exclui que alguém de fora também julgue, observando um possível avanço notório e os índices oficiais da escola.

O certo, contudo, é que ante à mudança mesma, enquanto sustentada na própria Constituição Federal, quanto aos cargos de direção e assessoramento, a crítica pontual e inexpressiva produz menos efeito que uma ação coletiva massiva da grande maioria desses envolvidos diretos. E mais. Esse efeito é menor quanto mais entrelaçadas e complexas forem as relações de poder produtoras do discurso emplacado, nos dizeres de Foucault.

Naturalmente que, sendo o objetivo de todos ter uma escola de alto nível e de alto padrão de qualidade, uma possível mudança em sua trajetória de avanço traz o receio de retrocesso. Portanto, o que se percebe é que, o que assusta não é a mudança, que em si não se presume carregada de ameaça, mas a possibilidade de estagnação ou piora dela derivada. Então aqui reside o cerne dessa limitação.

Deve-se, mais que uma postura de resistência sem sustentação efetiva, fazer pressão para assegurar que o possível substituto ou substituta, nesse cenário, seja competente, dedicado (a), criativo (a) e com conhecimento adequado. Parafraseando Charles Michener, se quem substituir for, não apenas melhor, mas superar o antecessor (ele fala do orientador e do orientado), a tarefa do substituído estará completa. O novo diretor ou diretora deverá muito aos avanços do anterior, reconhecendo, como fez Albert Einstein, quando disse que "se vi longe foi porque estive nos ombros de gigantes".

Então, a ação coletiva deve ser direcionada para a melhoria da qualidade da educação e não pela rejeição pura e simples a qualquer mudança, sendo esta legítima, oportuna e conveniente. Em outras palavras, uma mudança legítima seria injusta, em certo sentido, quando a pessoa escolhida fosse tal que resultasse em prejuízo para o coletivo, como diria o utilitarismo de Jeremy Betham (que parece se ajustar bem aqui mas nem sempre em outros casos).

Aqui está a outra limitação que escrevi acima. A legitimidade da escolha, que não deve ser arbitrária ou ser submetida à influência político-partidária a ponto de ferir o princípio da moralidade. Nesse ponto, as vias jurídicas aí estão como ferramentas de proteção.

Como se vê, essa liberdade do executivo está ao mesmo tempo sustentado e limitado pelos princípios do interesse público, da eficiência e da legalidade (além de outros). Portanto, não pode mudar para satisfazer seu ego pessoal e interesses particulares, deve mudar para manter e aprimorar a escola e deve seguir os preceitos da norma jurídica. E a lei, o que diz? Diz que essa liberdade é do executivo e nem mesmo o legislativo a pode revogar. Mas o próprio Governador pode abdicar dessa escolha e deixar essa função ao cargo da comunidade escolar. Foi o que fez no dia 05 de janeiro desse ano, depois de árduas lutas desde a constituinte, através do Decreto 30.619/2015, estabelecendo as eleições na escola para mandato de, no máximo, 04 anos, dizendo também que candidato deve ser ficha limpa, apresentar um Plano de Melhoria da Escola, um diagnóstico da escola e da comunidade, os objetivos e as metas, devendo prestar contas anualmente do desempenho de sua gestão e podendo ter seu mandato revogado por descumprimento de metas. No entanto, o parágrafo único do art. 5o fala que, enquanto inexistir candidatos, os Gestores/Diretores serão indicados pela Secretaria de Estado da Educação.

Portanto, a orientação do governo, como se percebe, seguindo os princípios democrático-liberais e constitucionais, é que os diretores tenham mandato ou função por tempo limitado, ou seja, reforçando a ideia de que a mudança é necessária. Por outro lado, determinando as qualidades dos candidatos e da gestão objetiva assegurar que a mudança seja para melhor.

Por fim, a concepção da democracia deve se desenvolver desde a escola. Manifestações, dentro e fora do ambiente escolar, são parte desse processo, mas devem, antes de tudo, representar os anseios da escola como um todo, serem bem refletidas, discutidas e planejadas, tendo como pano de fundo o que Paulo Freire falava, de que “se a educação não é a alavanca das transformações sociais, estas não se fazem sem elas”. Deve-se perguntar: o que estamos contestando: A mudança em si? A legitimidade da escolha? As qualidades da pessoa escolhida? e assim por diante. Isso para não incorrer numa falsa representação da realidade e não ser parasitada por interesses oportunistas que a ela, por ventura, possam se agarrar.

Assim, a pergunta se faz pode ser resumir em: a decisão está ferindo algum princípio democrático? Qual? Mas, principalmente, deve-se ter humildade para aceitar que a própria insatisfação pode estar equivocada e perguntar: A causa porque luto, meu sentimento e minha concepção particular sobre o fato, reforça ou é sustentada por qual princípio democrático? A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, também deve ser exercida com um objetivo claro e um interesse legítimo, senão torna-se inócua.

No caso específico, não cabe sustentar que o diretor ou diretora deve permanecer porque fez um bom trabalho, caso tenha feito. Essa é uma das justificativas mais frágeis, pelo simples fato de que a gestão democrática na escola e o princípio republicano, fruto da derrocada da monarquia absolutista e alvo de muitos regimes autoritários, como bem explica o professor Paulo Bonavides, determina que os mandatos sejam temporários, derivada da teoria do controle e da rotatividade. Além disso, não são poucos os profissionais do magistério com potencial para ser um ótimo diretor. Então, cabe olhar para quem está saindo para conferir o mérito e o reconhecimento a que faz jus, mas o alvo deve ser quem está e como está chegando, ou seja, se for qualificado para tal e se a escolha é legítima, moral e democrática.

Nesse ponto, também a democracia é compatível com a escolha livre, mas não arbitrária ou ilimitada temporalmente, dos cargos de confiança. Mas no âmbito escolar, a possibilidade de exercício e participação democrática pela comunidade escolar no planejamento, nas atividades, nas decisões e na escolha de seus líderes requer que o modelo de escolha seja participativo, como esperamos que seja. Mas como qualquer mudança, existem as normas de transição, como o é a que permite a escolha livre do diretor até que os candidatos se apresentem, a eleição seja efetivada e o resultado pronunciado. Restaria, disso, avaliar a qualificação de quem foi escolhido, se for o caso.

Em resumo, as eleições para diretor de escola são uma grande oportunidade para ativar nos alunos a prática e o sentimento da democracia participativa e, com esta habilidade desenvolvida, lutar contra o modelo pernicioso e corrupto que afeta mais intensamente os mais pobres, para que possam elaborar estratégias de organização, plenárias e reivindicações. O modelo de escolha de diretor baseado no quem indica está decadente e a luta deve ser para que o mais rápido possível os diretores sejam eleitos. Enquanto isso, devemos refletir as bases que sustentam nossos argumentos e justificativas, tendo como parceiro o interesse coletivo, público, com conduta séria e com vista à melhoria da educação. Por mais que a escola tenha avançado, deve sempre seguir em frente, deve se renovar a cada instante, como as águas de um rio, como disse Heráclito.

Um comentário:

  1. EXCELENTE TEXTO !!!. É bem verdade o que se segue “possibilitar o exercício e participação democrática da comunidade escolar quanto ao planejamento, atividades, decisões e, principalmente, escolha de seus líderes”. Isso, como aduz meu caro amigo Orleans Silva, através de um “modelo participativo”.

    E continua.

    Para qualquer mudança, existem as normas de transição, qual seja: a escolha livre do diretor até que os candidatos se apresentem, a eleição seja efetivada e o resultado pronunciado. Restaria, disso, avaliar a qualificação de quem foi escolhido, se for o caso.

    Por fim, arremata, as eleições para diretor de escola são uma grande oportunidade para ativar nos alunos a prática e o sentimento da democracia participativa e, com esta habilidade desenvolvida, lutar contra o modelo pernicioso e corrupto que afeta mais intensamente os mais pobres, para que possam elaborar estratégias de organização, plenárias e reivindicações.

    Moral da história. Devemos, veementemente, abolir “o modelo de escolha baseado no quem indica”, pois esta prática tão comum está decadente.

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